Autoridade e autoritarismo
Há uma considerável diferença entre liberdade e libertinagem. A primeira está-nos consagrada na instituição como um direito que nos obriga, também, a determinados deveres. A segunda só nos confere direitos e nesta concepção só existimos nós e nós e nós, sempre só nós. Não há lugar ao outro.
Há, ainda, uma diferença abissal entre autoridade e autoritarismo. Não têm nada a ver. É como confundir a “Obra prima do Mestre com a prima do mestre de obras” ou a “Estrada da Beira com a beira da estrada”.
No entanto os dois conceitos de libertinagem e autoritarismo começam a ser cada vez mais vistos e aplicados na prática.
O Estado, por exemplo, perdeu boa parte da autoridade que deveria ter. No seu lugar começa a surgir o autoritarismo. É frequente vermos um agente da autoridade não ter autoridade nenhuma quando trata com meliantes. Se trata com pessoas respeitadoras e cumpridoras da lei, por norma, assume uma posição de autoritarismo. Não é de espantar: O agente sabe que se usar de autoridade com o meliante o mais certo é que venha a ter de enfrentar a justiça sentando o rabinho num mocho na posição de réu.
Já com quem respeita a lei isso não se passa. O cidadão que respeita a lei, regra geral, é temerário à justiça o que provoca no agente da autoridade uma confiança tal que o leva a tornar-se autoritário.
Há dias enquanto esperava no hall do tribunal para depor num processo em que um amigo está envolvido assisti a este episódio de um agente que esperava a presença de um contrabandista que devia ser “apresentado” ao juiz nesse dia. Era reincidente. E vi no agente todos os cuidados com aquele homem, que não tem deveres e só tem direitos, perguntando-lhe inclusivamente se queria ajuda para transportar os sacos.
Eu e as outras testemunhas, que só temos deveres por sermos temerários à justiça, fomos tratados como “cachorros vadios” e acabaram por nos mandar embora umas horas depois de tanta espera porque, afinal, o julgamento ia ser adiado.
Esta atitude cada vez mais vista no nosso dia a dia começa a despontar em cada um o sentimento que mais vale ser libertino do que livre.
Talvez seja esta uma das razões que leva a que a liberdade seja substituída, levianamente, pela libertinagem e, consequentemente, a autoridade pelo autoritarismo.
16 Comentário(s):
Não estou com tempo para ler.
Voltarei para o fazer.
Boa semana :)
Beijinho
"comentários"?!
Que comentários? está tudo dito!
E como inverter esta situação sem passares para o lado da "libertinagem"? è que não acredito que a se te comportares como um correcto cidadão te dêm alguma atenção!
Caríssimo João,
Faz muito bem em se indignar. É um direito que assiste a todos.
Perdoe-me, contudo, a frontalidade da questão: indignou-se no momento em que foi tratado como “cachorro vadio” e o mandaram embora umas horas depois de tanta espera???
A eficácia ou ressonância de qualquer indignação depende muito, senão tudo, da visibilidade que lhe consigamos imprimir junto do respectivo destinatário, autor da situação geradora da indignação. No caso, o Tribunal,em última instância, o juiz.
Espero, a bem da desejada eficácia, que numa próxima vez não permita que o tratem como “cachorro vadio” e, se o fizerem, não receie em lavrar na hora o seu protesto, de forma a resgatar o deferência que lhe é devida e permitir, com o seu tributo, a responsabilização do sistema na matéria em apreço.
Na esperança que o eco da sua indignação, conjugado com outros, motive mudanças.
Ps: um conselho: não hesite em requerer o legal pagamento das despesas de deslocação e a fixação de uma indemnização pelo tempo perdido. Por vezes, a consciência da necessidade do respeito e da celeridade é mais premente quando nos “entram no bolso”.
Uma boa semana de trabalho.
Este "suposto" problema está generalizado. Passa-se nos tribunais, com os agentes da autoridade, nas escolas, hospitais... em suma... nas mais diversas instituições!
Digo "suposto" problema porque creio que é uma questão que depende e parte de todos nós... nas situações mais difíceis acabamos por reagir da mesma forma... "engrandecemo-nos" com os mais fracos e "encolhemo-nos" com os mais fortes, acontece desde a infância.
A verdade está á vista.
Eu sempre te disse que andavas no lado errado, até porque a vida são tres dias... e dois já voaram.
Boa Pascoa
acontece em todo o lado, com empregados de lojas e restaurantes é o mesmo.
A questão é
é melhor ser libertino ou lidar com o autoritarismo?
*
Pois, é verdade! Está tudo dito (e muito bem dito por sinal).
É mesmo isso... e é assim em muitos sítios. É por isso que "quando posso" não hesito em utilizar os respectivos livros de reclamações. Acontece que na sociedade portuguesa ainda há sectores que estão de tal forma "sacralizados" que uma pessoa até tem "medo" de se indignar. A justiça é uma delas.
É sempre bom passar por aqui.
Boa semana
Concordo plenamente com esta tua reflexão! Já fui vítima de assalto a minha casa por duas vezes e a impressão com que se fica é que nos temos de defender dos meliantes, isso não é para as autoridades...Só errei por 2 dias quando disse à polícia que os ladrões me iam assaltar de novo...Nada fizeram e assim aconteceu! E tinham conseguido, se não fossem uns agricultores terem agarrado os rapazes...que foram logo soltos, enviados para casa, juntamente com a mota ...!
Só visto!
Bjs
Asna,
Aprecio a sua observação. Devo dizer-lhe que gosto da frontalidade. Desde que educada e justa, por isso não se preocupe em ser frontal. E a asna tocou em alguns pontos importantes.
Procurei transmitir a minha indignação ao juiz mas o senhor não me quis receber. Afinal ele tem que estar acima de qualquer cidadão de segunda. Reconheço que deveria ter seguido a sugestão dos administrativos do tribunal, que foram muito simpáticos e compreensivos com o nosso protesto, e ter deixado registado esse desabafo. Tal não sucedeu, efectivamente.
Em todo o caso agradeço a dica que deixou em relação à indemnização do dia perdido.
O objectivo deste artigo, contudo, pretende ser mais abrangente do que a minha pequena história que apenas serve de ilustração.
Parece-me, sinceramente, que o estado tem perdido cada vez mais autoridade e, por sua vez, ganha em autoritarismo o que leva os cidadãos livres a assumirem postura libertina.
Da liberdade para a libertinagem, da autoridade para o autoritarismo, é um passo apenas e, na maioria dos casos, as pessoas ficam inebriadas com a transgressão, esse passar da ténue fronteira. Há uma grande diferença de conceitos. É tudo, no fundo, uma questão semântica!
(que inevitavelmente tem efeitos sobre o quotidiano de todos nós, não sendo assim tão inofensiva)
Bjs
Caríssimo João,
A opinião, e a frontalidade que nela possa veicular, só faz sentido se expressa de forma educada e fundamentada. já os juízos de valor à cerca da sua justeza dependem, a meu ver, da subjectividade de cada um.
Espero que aos seus olhos o meu comentário não tenha surgido como injusto ou menos correcto.
Quanto ao objectivo do artigo, penso que ele foi plenamente alcançado e perfeitamente apreendido. Concordo com a análise que ele reflecte. E lamento concordar consigo, mas cada vez mais se cavalga, a passadas largas, para a libertinagem em detrimento da Liberdade.
Este tal julgamento (sobre o qual eu li em outro blog), está a tornar-se uma lenda urbana! Não vai passar-se nunca!
Estás totalmente correto em tua indignação. Devias ter exigido falar com o Juiz (pelo menos aqui, por lei, o Juiz é obrigado a atender o público, tem que ter hora e dia especialmente para isso).
Espero que esse novelo se desenrole. Beijos!
Asna,
Aos meus olhos foi correctíssima!
Concordo João, cada vez mais "pequenos" , principalmente na Justiça e na Saúde.....confesso que só se safa quem pertence ao "sistema " quem tem razão é o Dias da Cunha....
Muito interessante esta reflexão...
ora aí está uma verdade que sobre a qual ainda não me tinha debruçado. Bem visto!
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