domingo, 4 de maio de 2008

O preço dos cereais

O preço estonteante que os cereais têm atingido nos mercados internacionais, pode abrir uma crise sem precedentes nos géneros alimentícios. Há quem justifique essa alta com a deslocação da produção do sector alimentar para o energético, com vista à produção de combustíveis alternativos ao petróleo. Ora, também neste mercado se tem assistido a uma subida vertiginosa.
Não creio, no entanto, que as principais razões apontadas para a subida sejam as verdadeiras. Há muito mais para além daquilo que se vê e que nos é dito.
As maiores razões encontram-se na globalização dos mercados. O mercado de cereais continua a ser excedentário o que, por si só e mesmo considerando a deslocação para o mercado energético, não justifica a subida de preços.
Na verdade, estes produtos são negociados num mercado altamente especulativo, designado por mercado de futuros e derivados. O que quer isto dizer? Significa que qualquer produtor de cereais, por exemplo, pode vender a sua produção do ano que vem hoje mesmo. Isto é, coloca a quantidade que espera produzir no mercado, recebe o dinheiro e com ele produz. Naturalmente que neste mercado há sempre factores imprevisíveis provocados, sobretudo pelas condições climatéricas que influenciam uma maior ou menor produção.
Mas o que importa, verdadeiramente, neste contexto é que os interesses de produtores e consumidores se conjugam nas praças dos mercados de futuros e derivados.
Voltando ao exemplo dado, do outro lado temos um industrial da panificação, por exemplo, que contrata a tal produção com o agricultor do exemplo dado, um ano antes de ambos saberem a verdadeira produção de cereais ou a real necessidade do mercado de panificação.
Até aqui nada de anormal. Percebemos, assim, que uns e outros têm mecanismos para financiar e defender os seus interesses. O problema é que estes mercados são abertos e altamente liberalizados. Ou seja, não negoceiam aí apenas os produtores e consumidores, mas também os especuladores.

Exemplificando, temos um investidor que, olhando para o comportamento dos mercados de derivados do petróleo e sabendo da avidez do mercado de bio combustíveis por cereais, decide comprar contratos no mercado de futuros dos cereais. Não quer os cereais. Apenas quer aproveitar a eventual subida dos mesmos.
É que o facto de comprar contratos sobre estes produtos não constitui uma obrigação pela sua aquisição. Apenas um direito de aquisição ao preço estipulado. O que quer dizer que, em qualquer altura se pode desfazer desses contratos colocando-os à venda no mercado, ou mesmo que os não venda e chegando ao seu términus, não executa o seu direito de preferência e perde apenas as margens que entretanto deu de garantia no início do contrato.
Ora, chegados aqui e percebendo que nestes mercados não operam só industriais ou produtores, facilmente perceberemos que a entrada de muitos investidores especulativos que não necessitam das matérias primas aí negociadas, pode provocar um bolha nos preços e, pior, isso não significar a falta de produtos no mercado mas, pelo contrário, vir a revelar um mercado altamente excedentário.
Porquê? Porque se há interesses no mercado com contratos abertos para um milhão de toneladas de trigo, por exemplo, e as expectativas da produção não ultrapassam o meio milhão de toneladas, significa que o preço do trigo vai subir porque a produção é menor que o suposto consumo. Mas se uma boa parte desses contratos for apenas com intuito especulativo, admitamos que para 600 mil toneladas, e não forem executados no seu final, então teremos um mercado que produziu 500 mil toneladas, para um consumo real de 400 mil e ficou excedentário em 100 mil toneladas que hão-de ser destruídas e pagas em subsídio aos produtores.
Parece muito confuso. Mas não é. E, sinceramente, creio que é isto mesmo que se está a passar hoje nos mercados mundiais. Não nos admiremos, por isso, que daqui a uns meses tenhamos produtos derivados dos cereais mais caros, apesar de uma produção excedentária.

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quarta-feira, 26 de março de 2008

O bufo

Acabei de chegar de um casamento e, confesso, perante a intimação mais recente da Direcção Geral das Contribuições e Impostos, apelando a que cada cidadão seja um fiscal, sinto-me obrigado a delatar aqui as quantias que os noivos gastaram, o número de convidados, o restaurante do copo de água, o número de fotos que o fotógrafo tirou e a quantidade de vestidos super chiques que se cruzavam ante o olhar de desdém das suas donas.
E tenho que ser eu a tratar desta delação para fazer um favor aos meus amigos noivos. É que no meio de tantas coisas interessantes que, enfim, teriam que fazer hoje à noite, não teriam tempo para preencher o questionário. E talvez nem se tivessem dado conta se lá no restaurante havia outras festas, ou não. Bem, festas, festas devem estar eles a ter pelo corpo todo. Claro que só estão nisso, porque eu me encarreguei de fazer de bufo. Sou amigo. Deles e do fisco. E do país. Que patriótico me sinto!
Deparo-me, no entanto com uma dificuldade: pergunta aqui quantos preservativos é que foram usados na noite de núpcias… (deve ser para apanharem as farmácias, também).
Telefonei e fiquei a saber que não compraram preservativos. Apenas Aspirina, por causa das dores de cabeça da minha amiga.
O questionário do fisco falha nesta questão. É grave! Não pensaram em tudo.
Amanhã vou a um funeral. Consta-se que já intimaram o defunto a preencher um questionário sobre as despesas com o funeral. E se não responder vai pagar uma coima.
Enfim, a vida não está nada fácil. Nem a morte, pelos vistos.

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domingo, 16 de março de 2008

O crime

Fernanda Tadeu, até agora uma ilustre desconhecida, saltou para a ribalta por ter sido apanhada pela objectiva de um fotógrafo que a conhecia como a “esposa de António Costa”.
De imediato a foto correu as parangonas e a notícia foi explorada pelos jornalistas à procura das últimas consequências políticas que tal acto pudesse provocar.
Não sei se Fernanda Tadeu, mulher bonita por sinal, se encontrava no meio de 99.999 professores por ter sido apanhada na avalanche enquanto percorria as ruas da capital olhando as montras, ou se, pelo contrário, lá estava a manifestar-se contra as políticas do governo que o seu marido ajudou a elaborar. E pouco importa.
Acho, contudo, que é muito grave a senhora ter saído à rua sem o consentimento do marido e nisso os jornalistas têm toda a razão. Aliás, acho mesmo que quando chegasse a casa o marido deveria pegar numas listas telefónicas e numas toalhas encharcadas e dar-lhe um bom arraial. A senhora não tem direito a ter uma vida própria.
Até vou um pouco mais longe que os jornalistas: toda a esposa que seja de outro clube de futebol que não aquele pelo qual o marido faz tristes figuras em dias de jogo, deveria ser severamente castigada. E se quer militar num partido diferente o melhor é que pegue nas suas trouxinhas e saia de casa. Acho bem, mesmo muito bem, que sigamos o exemplo das sociedades que consideramos subdesenvolvidas e do terceiro mundo e ponhamos a mulher no seu devido lugar…
Francamente, haja pachorra.

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sábado, 8 de março de 2008

A minha teoria

Tenho uma teoria: as mulheres mandam no mundo!
Que novidade, dirão os leitores... De facto assim é! Muitas mulheres se queixam dos homens machistas, mas na verdade a culpa não é, senão, delas.
São elas que nos carregam paciente e dolorosamente durante nove meses. É, posteriormente, a elas que está confiada a alimentação. E são elas que nos educam, tantas e tantas vezes incutindo em nós esses valores que a sociedade em tempos achava os mais correctos e que hoje já tende a banir.
Depois, uma boa parte da nossa vida são as mulheres que nos orientam. Sempre assim foi e há-de ser.
Lembro-me, em miúdo, o meu avô tinha uma junta de bois. Era agricultor. Como hoje os agricultores modernos trocam de tractor, também ele, naquela época, trocava de junta de bois. Não sei se pela idade, se pelos quilómetros ou horas, ou se porque os mais modernos já vinham equipados com umas orelhas melhores que não era necessário picá-los tantas vezes. Bastava dizer-lhes ao ouvido: vai ao rego! Mas fosse porque fosse, o meu avô, homem exemplar, mas machão como convinha naquele tempo, lá ia seguido da minha avó, trocar a junta de bois. Não fazia, porém, negócio que a minha avó não anuísse discretamente. E, claro está, na hora de pagar discretamente a “bezerreira” aparecia, como por artes mágicas, nas suas mãos, com as notas de conto de reis. Tantas quantas as necessárias para o negócio.
É apenas um exemplo. Da mesma forma enganam-se todos aqueles que pensam que só porque os homens estão em maioria nos lugares de topo, na política e nas empresas, são eles que tomam as decisões e conduzem os destinos do mundo.
Nada mais falso. Diz-se na sabedoria popular que por trás de um grande homem está sempre uma grande mulher. E é, tantas vezes, essa mulher que influencia, discretamente, todas, ou quase todas, as decisões do homem.
Claro que isto também coloca nos ombros das mulheres todos os erros do mundo. Dir-nos-ão elas, daquela forma subtil, inconfundível, ternurenta e convincente que esses erros não são mais do que más interpretações nossas. E, porventura, sê-lo-ão.
Há dias, ao comentar esta minha teoria de algibeira com uma senhora que estava desesperada com esta sociedade machista, contrariava-me ela dizendo que, nesse dia, tinha sido incorrectamente recebida por um funcionário de uma repartição pública e que isso só assim acontecera por virtude da sua condição feminina.
Até aqui, retorqui eu, está a prova de que são as mulheres que mandam no mundo. O mau acolhimento que o referido funcionário colocou na questão da senhora não passa disso mesmo: o reconhecimento que são as mulheres que comandam. Experimentem colocar alguém que sempre foi mandado num posto de chefia e poderemos assistir a verdadeiros actos de tirania por vingança. É como diz o povo: não peças a quem pediu e não sirvas a quem serviu!
Abençoadas sejam as mulheres que connosco convivem!

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quarta-feira, 5 de março de 2008

Que nunca caiam as pontes entre... os rios

Cumprem-se sete anos e muitas longas noites sobre a queda da ponte de Entre os Rios, numa noite de um domingo chuvoso, no regresso de um passeio que nunca chegou ao ponto de partida.
Sete anos no Rio… Duas pontes unem, agora, as duas margens… Aquela que deveria ter sido feita antes da queda e a que se reergueu dos destroços.
Ninguém adivinharia que a ponte viria a ruir impedindo tanta gente de regressar a casa, de chegar à outra margem. Ninguém…
Mas uma coisa se adivinhava há sete anos: as famílias das vítimas iriam sucumbir antes que as indemnizações chegassem…
Outra coisa se adivinhava: mais depressa os arguidos do caso Casa Pia ou do Apito Dourado podem vir a ser indemnizados pelo estado... que as famílias que ruíram com a ponte.
Posso ser só eu a pensar… mal. Que assim seja.
E como diz a música: que nunca caiam as pontes entre nós!

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segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Magali: a menina que não chegou a mulher...

A notícia não teve a importância que os escaparates costumam dar às coisas sem importância alguma.
Que importa, pois, ao mundo que a pequena Magali Cortés de 12 anos de idade tenha morrido, vítima de uma infecção provocada por uma intoxicação a estreptococos, apanhada no rio Santa Rosa, na cidade de Tepic no México?
A distância marcada em quilómetros impede que os nossos olhos possam ver a nitidez das palavras de uma menina que, então com oito anos, escreveu uma carta ao prefeito da cidade para lhe construir uma ponte que a levasse à margem onde a escola a esperava todos os dias.
Talvez, logo aos primeiros rabiscos da mão, essa vontade tão grande de ter uma ponte a movesse a aprender depressa as primeiras palavras e prefeitura fosse a primogénita.
Todos os dias Magali atravessava a nado o rio que já a conhecia mas, implacável sem olhar a quem, a matou.
A promessa do prefeito que há quatro anos iniciou a ponte para Magali não vai chegar a tempo. Talvez porque o tempo é, inexoravelmente, o maior inimigo nestas circunstâncias. Ou, pior, muito pior, porque talvez o prefeito não tenha acreditado nunca que isto fosse acontecer a Magali, acalentando a secreta e silenciosa esperança que o tempo se encarregaria de resolver a questão. Porque Magali mulher tornaria inútil a ponte para Magali menina.
Sucede que Magali menina não chegou a mulher. Talvez a mulher que, sabendo das agruras que a ausência de uma ponte provoca a uma menina, se tornaria ela própria, mulher, a construtora de pontes.
Magali… a menina que não chegou a ser mulher porque o prefeito da sua cidade não acreditou que o rio, um dia, poderia devorá-la nas suas águas.
Que semelhanças encontraremos na trágica sorte de Magali nas muitas outras histórias de prefeitos que não acreditam que, um dia, um qualquer rio pode transbordar e deixar à sorte aqueles que dele dependem? Que semelhanças há entre o prefeito de Tepic que esperou que fosse o tempo a resolver um problema e os prefeitos de tantas outras histórias que também acreditam que o tempo tudo decide?

Cruelmente, esta história não foi uma estória.

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sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

(In)consciência

A notícia diz que Suharto, antigo ditador indónesio por mais de 30 anos, está inconsciente.
A pergunta é: e alguma vez o foi?

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segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

2008


Que cada um dos 365 dias que aí vêm seja um presente, e em cada presente 2008 sonhos que se cumpram!

Bom ano!

domingo, 23 de dezembro de 2007

Feliz Natal!

É Natal! Não fossem os 3 graus que a noite fria impõe ao mercúrio dos termómetros, o sol do meio dia levar-nos-ia a pensar que estamos a viver um Natal tropical. Não chove, não neva, apenas o frio nos apela ao calor da lareira e da família.
Os anúncios da televisão com o velhote das velhas e longas barbas brancas não combinam, em definitivo, com o sol que entra pela vidraça. Apenas o crepitar da lareira nos diz que o frio, lá fora, impera.
Mas é Natal! Época da família, por excelência. E da família fazem, também, parte os amigos. Mais do que as tradicionais mensagens que nesta altura palavreamos uns aos outros, que tenhamos gestos condizentes com a mensagem maior: a do presépio de Belém. Podemos não confessar fé alguma, mas esta é a história de uma vida que não deixa ninguém indiferente. Mais não seja porque, à semelhança da moral da história de Belém – o presente de Deus aos Homens, o seu Filho – os presentes que vemos circular das lojas para os sapatinhos não deixam que a indiferença aconteça.
Bom Natal a todos.

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quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Há coisas inacreditáveis, não há?

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Recebi esta pérola por e-mail como se de uma piada se tratasse. E não deixaria de ser, efectivamente, uma piada de mau gosto se não fosse decorrida de uma atitude de quem não sabe educar e tampouco premiar quem educa.
Passamos uma vida inteira a lamentar-nos profundamente de tudo: dos políticos, do sistema, dos políticos, da vida, dos políticos, da crise, dos políticos, do país e dos políticos. Provavelmente, e não uso outro advérbio porque já tenho dúvidas, queixamo-nos com razão de muitas coisas, esquecemo-nos contudo que grande parte das nossas queixas são situações com que pactuamos no dia a dia e, pior, contribuímos para as agravar.
Esta miúda, aposto, por via das novas oportunidades, com um empurrãozinho daqui e outro dali, porque esta mãe parece tão bem informada pelos órgãos de comunicação social que há-de conseguir passá-la ano após ano, virá o dia em que fará parte integrante do sistema. E eu pergunto: numa Europa cada vez mais exigente e num mercado de trabalho cada vez mais saturado onde entrará a educanda desta senhora?
Queixamo-nos de tudo mas não apostamos na exigência, na excelência. Virá o dia em que esta miúda, com menos de 35 anos, substituirá alguém dessa idade no mercado de trabalho porque, então, estará demasiado velho para poder responder com eficácia e eficiência às necessidades das empresas.
Ou não. E se esse dia não acontecer jamais e esta miúda não conseguir um lugar na competitividade, então deve prestar uma grande homenagem aos seus encarregados de educação que foram coniventes e permissivos com a sua atitude passiva e laxista na escola.
Porque é mau demais para ser verdade, mas porque é verdade, para desanuviar um pouco, só falta a esta mãe dizer à filha: não respondas às perguntas dos senhores professores, mas se eles tiverem a ousadia de tas fazer, responderás - estou aqui para aprender e não para ensinar!

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