O preço dos cereais
O preço estonteante que os cereais têm atingido nos mercados internacionais, pode abrir uma crise sem precedentes nos géneros alimentícios. Há quem justifique essa alta com a deslocação da produção do sector alimentar para o energético, com vista à produção de combustíveis alternativos ao petróleo. Ora, também neste mercado se tem assistido a uma subida vertiginosa.
Não creio, no entanto, que as principais razões apontadas para a subida sejam as verdadeiras. Há muito mais para além daquilo que se vê e que nos é dito.
As maiores razões encontram-se na globalização dos mercados. O mercado de cereais continua a ser excedentário o que, por si só e mesmo considerando a deslocação para o mercado energético, não justifica a subida de preços.
Na verdade, estes produtos são negociados num mercado altamente especulativo, designado por mercado de futuros e derivados. O que quer isto dizer? Significa que qualquer produtor de cereais, por exemplo, pode vender a sua produção do ano que vem hoje mesmo. Isto é, coloca a quantidade que espera produzir no mercado, recebe o dinheiro e com ele produz. Naturalmente que neste mercado há sempre factores imprevisíveis provocados, sobretudo pelas condições climatéricas que influenciam uma maior ou menor produção.
Mas o que importa, verdadeiramente, neste contexto é que os interesses de produtores e consumidores se conjugam nas praças dos mercados de futuros e derivados.
Voltando ao exemplo dado, do outro lado temos um industrial da panificação, por exemplo, que contrata a tal produção com o agricultor do exemplo dado, um ano antes de ambos saberem a verdadeira produção de cereais ou a real necessidade do mercado de panificação.
Até aqui nada de anormal. Percebemos, assim, que uns e outros têm mecanismos para financiar e defender os seus interesses. O problema é que estes mercados são abertos e altamente liberalizados. Ou seja, não negoceiam aí apenas os produtores e consumidores, mas também os especuladores.
Exemplificando, temos um investidor que, olhando para o comportamento dos mercados de derivados do petróleo e sabendo da avidez do mercado de bio combustíveis por cereais, decide comprar contratos no mercado de futuros dos cereais. Não quer os cereais. Apenas quer aproveitar a eventual subida dos mesmos.
É que o facto de comprar contratos sobre estes produtos não constitui uma obrigação pela sua aquisição. Apenas um direito de aquisição ao preço estipulado. O que quer dizer que, em qualquer altura se pode desfazer desses contratos colocando-os à venda no mercado, ou mesmo que os não venda e chegando ao seu términus, não executa o seu direito de preferência e perde apenas as margens que entretanto deu de garantia no início do contrato.
Ora, chegados aqui e percebendo que nestes mercados não operam só industriais ou produtores, facilmente perceberemos que a entrada de muitos investidores especulativos que não necessitam das matérias primas aí negociadas, pode provocar um bolha nos preços e, pior, isso não significar a falta de produtos no mercado mas, pelo contrário, vir a revelar um mercado altamente excedentário.
Porquê? Porque se há interesses no mercado com contratos abertos para um milhão de toneladas de trigo, por exemplo, e as expectativas da produção não ultrapassam o meio milhão de toneladas, significa que o preço do trigo vai subir porque a produção é menor que o suposto consumo. Mas se uma boa parte desses contratos for apenas com intuito especulativo, admitamos que para 600 mil toneladas, e não forem executados no seu final, então teremos um mercado que produziu 500 mil toneladas, para um consumo real de 400 mil e ficou excedentário em 100 mil toneladas que hão-de ser destruídas e pagas em subsídio aos produtores.
Parece muito confuso. Mas não é. E, sinceramente, creio que é isto mesmo que se está a passar hoje nos mercados mundiais. Não nos admiremos, por isso, que daqui a uns meses tenhamos produtos derivados dos cereais mais caros, apesar de uma produção excedentária.
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