O cromo no barbeiro

E dizia num tom jocoso e fanfarrão: "Virei-me para ele e perguntei-lhe: O senhor professor diga-me lá em que dia e em que ano se deu o terramoto de Lisboa? Claro que ele não sabia, uma vergonha para um professor. Quer dizer, disse-me o ano. Eu tive que lhe dizer o resto: Foi em 1 de Novembro de 1755, homem. Enfim, como é que o nosso ensino não há-de estar como está." Um dos ouvintes, a medo, ainda sugeriu: "Se calhar não era professor de história, já pensou nisso? Sei lá, podia ser de matemática". O cromo respondeu-lhe: "Não importa, tinha que saber. Olhe que eu tenho cá uma memória. Lembro-me de tudo o que estudei no meu tempo".
De certa forma deixei-me, também, impressionar pela memória do nosso herói. Mas, os tempos são outros e as actuais exigências são vorazes demais para se compadecerem com o nosso cérebro que apenas guarda, por simpatia, o que julga importante.
Saí a pensar que uso daria o cauteleiro àquela informação que tinha gravada a ferro e fogo na massa encefálica. É que o poder da informação reside justamente aí: o que se faz dela. Um pouco ao jeito da sabedoria popular: "Diz-me o que sabes e o que fazes com isso".
Em todo o caso, pensei, a memória do homem era impressionante. Já não se fazem memórias assim. Nem se estimam. Há, curiosamente, quem diga por ironia que a própria indústria farmacêutica está mais vocacionada para a saúde do sexo do que do cérebro. De tal modo que, dizem, no futuro vamos ter todos sexos maiores e mais potentes mas não nos lembraremos, exactamente, para que servirão e o que fazer com eles.